Entrevista com a Futurista Rosa Alegria sobre inovação, empresas e cidades.


Postado em 04/04/2022 - Atualizado em: 05/04/2022

Foto divulgação, site rosalalegria.com.br

Por Luiz Henrique Ferreira, diretor da Galileu Tecnologia.

Rosa Alegria é futurista profissional há 20 anos e pioneira em estudos do futuro no Brasil.

Ela é referência internacional pela visão sistêmica do que é inovação. Além disso, é consultora de planejamento prospectivo e palestrante internacional; está entre as mulheres futuristas mais reconhecidas da América Latina.

Além de palestrante e consultora, é pesquisadora de tendências em diversos setores da economia; palestrante e consultora internacional

Conversei com a Rosa por email, sobre diversos assuntos e sobre o futuro das cidades.

O que ela traz é muito relevante para quem pensa o futuro e a inovação nas empresas e na esfera pública.

Ike Ferreiras- Fale um pouco sobre você, o seu trabalho e a sua vivência
profissional

Rosa Alegria – Trabalhei como executiva durante mais de 20 anos, a minha área central foi a comunicação corporativa e também a publicidade dentro de grandes empresas. Sempre me considerei uma futurista sem saber o que isso era na época em que eu não tinha entrado em contato com esse conceito.

Minha atividade dentro das empresas era a busca por coisas novas. Eu estava sempre atenta aos sinais de mudança e tentava despertar as pessoas, as lideranças, em relação às mudanças que estavam acontecendo; que deveriam ser é captadas e analisadas para gerar inovação

Em determinado momento da minha vida em que eu abri mão do modelo tradicional de trabalho, resolvi me aventurar como consultora e empreendedora. Nessa fase de transição na virada do século, entre 1998 e o ano 2000, eu tive contato com publicações que traziam esse conceito do futurismo e descobri que havia escolas que formavam futuristas.

Na época eu não sabia o que isso significava. Foi quando eu comecei a entender o que era e escolhi estudar essa disciplina nos Estados Unidos, à convite do grande futurista Peter Bishop. Isso foi no ano de 1999. Hoje continuo a exercer essa profissão em consultorias a empresas de todos os portes e palestras corporativas, ou seja, há 22 anos como futurista profissional.

Ike Ferreira: Fale um pouco sobre o que é ser um futurista e o que é ser futurista em tempos de redes sociais?

Rosa Alegria – Um futurista é um profissional que estuda as mudanças, analisa essas mudanças para ajudar pessoas e organizações a lidarem com elas; a se anteciparem a essas mudanças, para criar inovação, para poder se preparar melhor para o mundo que está em mutação

É uma disciplina reconhecida cientificamente e hoje existem vários futuristas pelo mundo e várias escolas também.

O que me levou a ser futurista foi isso; essa minha curiosidade, essa busca pelas mudanças e essa vontade de trilhar uma profissão realmente nova.

Quando eu escolhi não era nada comum. Eu fui precursora no Brasil nessa profissão de futurista.

Em tempos de redes sociais ser futurista é poder compartilhar de uma forma mais democrática os conceitos e fundamentos de nossa profissão. Poder assistir várias iniciativas sendo divulgadas, publicadas, que podem despertar a atenção para as pessoas em geral, os profissionais e as empresas sobre a importância de estudar o futuro e de se preparar para ele.

Ike Ferreira: Como o futurismo pode ajudar na antecipação das mudanças que estão pra acontecer?

Rosa Alegria – O futurismo favorece o pensamento mais amplo, complexo e criativo. Sobre o que ainda não aconteceu e quando você explora o pensamento antecipatório isso é entrar no universo do que ainda não aconteceu mas pode acontecer, você adquire um novo repertório de possibilidades e traz mudanças imediatas na sua forma de olhar para a realidade. Portanto o futurismo é pensar no futuro e estudá-lo para mudar o presente.

Como você vê o futuro das cidades e quais estudos estão sendo feitos a respeito?

Rosas Alegria – O futuro está repleto de espaço para transformações urbanas. Antes do final do século 21 (talvez em 2050) mudanças impensáveis terão acontecido, na medida em que criamos espaços alternativos como colônias na Lua, em Marte e no espaço virtual, como hoje conhecemos por Metaverso.

Uma conexão mais profunda e funcional entre o físico e o virtual farão das realidades urbanas algo que a humanidade nunca experimentou antes e que poderá transformar a forma de se relacionar com a vida, com o trabalho, com as relações.

A cultura da extração, da degradação ambiental e da sobrecarga populacional em espaços esgotados terão sido fenômenos do passado.

Com o advento da pandemia, já começamos a captar sinais de que um re-florescimento urbano está começando com pessoas em busca da vitalidade da natureza, sistemas produtivos optando pela localidade, como por exemplo agricultura urbana, as soluções e processos de fornecimento e suprimentos perto de casa, um tipo de globalização reversa, o que alguns chamam de glocalização.

Acredito que nos próximos 30 anos estaremos retomando a época da Renascença, o que seria uma Neo Renascença Urbana – em que o mundo passará a ser localizado em pequenos centros geocentrados em que tudo acontece neles, o mundo passará a ser micro funcional. Isso aconteceu no passado – em que grandes transformações aconteceram a partir das cidades. Atenas inventou a democracia, Bruges foi o pólo do comércio moderno, Veneza, o primeiro centro globalizado do mundo, Antuérpia, Gênova, Amsterdam, grandes centros financeiros, Londres a primeira democracia de mercado, Nova Iorque, centro da cultura.

Nesse terceiro milênio, assistiremos ao reflorescimento das cidades, Estados-Nação darão lugar a pólos locais de desenvolvimento para atender à complexidade dos desafios mundiais. A pandemia veio acelerar essa mudança que já está acontecendo pelo mundo.

Ike Ferreira: Como o Futurismo se aplica às cidades?

Rosa Alegria – O futurismo se aplica perfeitamente ao planejamento urbano. Infelizmente existem muito poucas iniciativas de planos diretores e projetos governamentais que se utilizam do futurismo. Mas começam a aparecer alguns experimentos em cidades que querem ser inovadoras e que começam a buscar futuristas para ajudá-los no planejamento de longo prazo.

No entanto, mesmo os planejamentos de longo prazo, ou aqueles que pelo menos se dizem ser de longo prazo, eles não integram a aplicação de ferramentas próprias de pensar e criar futuros, que permitam ampliar a criatividade na geração de ideias, a pluralidade de caminhos de mudança. É muito pouco os planejadores urbanos e urbanistas que aplicam o futurismo no planejamento.

Eu sempre ressalto a importância da coletividade nesse planejamento urbano; colocar os habitantes no palco das ideias e das decisões, fazê-los com que se apropriem do futuro dessa cidade na qual estão vivendo e que também (e principalmente) os seus descendentes irão viver.

Uma cidade que não inclui os seus moradores na concepção do futuro de sua cidade certamente estão deslocados no tempo e fora da realidade.

Lembro sempre de uma frase que eu ouvi do grande urbanista Jaime Lerner quando em 2009 estive com ele em Curitiba, durante uma conferência de cidades: ele garantia a possibilidade de uma cidade se transformar em 3 anos. Aos que ficavam boquiabertos, ele explicava com simplicidade e segurança de quem detém o conhecimento e a experiência: depende de colocar todas as pessoas sonhando juntas na direção da cidade do futuro que desejam.

Ike Ferreira: Como cidade, o que podemos esperar do futuro “pós-normal” ?

Rosa Alegria – Os tempos pós-normais são aqueles que não nos oferecem nenhuma certeza, nenhuma clareza, nenhuma linearidade na relação com as mudanças.

São tempos marcados pelo caos, pela contradição e pela complexidade.

Como cidade, temos que criar processos sistematizados de antecipação de mudanças, olhando para o que está acontecendo no mundo, educando as pessoas a viverem na incerteza e deixarem de emergir desejos mais profundos na concepção de meta-espaços que cada vez mais se entrelaçam e se confundem com novas qualidades de tempos, não propriamente os funcionais e quantitativos/produtivos mais os tempos integrais e qualitativos.

No futuro pós-normal que já é presente, as cidades têm que estar em constante mutação e aquelas que não priorizarem a qualidade de vida de seus habitantes e que não privilegiarem todas as espécies vivas (não somente as humanas) irão desaparecer ao longo da breve história.

Ike Ferreira: Blumenau é uma cidade que pega enchente, tem rios de um lado e morros de outro e obviamente a mobilidade urbana é prejudicada pela geografia. Como você vê a mobilidade urbana e a qualidade de vida em cidades como a nossa, há solução?

Rosa Alegria – Tudo o que hoje concebemos por mobilidade está em profunda transformação; com a aceleração das tecnologias exponenciais (IoT, 5G) e muitas outras tecnologias integradas pela convergência exponencial e que hoje caracterizam a quarta revolução industrial (automação radical) – estaremos vivendo uma mobilidade fixa, estaremos em todos os lugares, seremos seres ubíquos, sem sair do lugar.

Nossa mobilidade física estará sendo substituída pela mobilidade virtual, portanto a geografia deverá ocupar cada vez menos importância no impacto de como nos locomovemos.

Blumenau e suas características geográficas constituem uma riqueza nacional e em vez de atribuir a essas características os problemas de mobilidades, deverá no futuro já imediato, apreciá-los e transformá-los em ativos naturais, culturais e turísticos.